sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A opção errada

No dia em que afirmou, sem conhecer a proposta de Orçamento de Estado do PSD-PP, que a probabilidade de votar contra era próxima de zero, António José Seguro perdeu uma boa oportunidade para estar calado. Não há memória de um OE mais violento e iníquo do que este,  ao qual o líder do PS se amarrou infantilmente por antecipação. 

O PS devia estar contra o OE porque é uma proposta economicamente recessiva, mais penalizadora para as classes médias e classes baixas, que discrimina negativamente funcionários públicos e pensionistas, que desinveste no ensino, na saúde e na protecção social. O que a economia precisa é de estímulo para crescer, gerar emprego e receita fiscal. Se há cortes a fazer, que sejam aplicados de forma progressiva e socialmente justa. Se estamos presos ao Memorando, renegoceiem-se os termos do empréstimo. Tal como está, o OE não serve sequer o propósito de reduzir o défice porque cria uma espiral recessiva. O PS devia ainda estar contra o OE porque é preciso dar esperança à esmagadora maioria de portugueses que não se revêem neste ataque sem precedentes às famílias e à viabilidade funcional do Estado. As pessoas que olham chocadas e incrédulas para o fundamentalismo neo-liberal do governo PSD-PP e que poderiam encontrar no PS o seu porto de abrigo vão continuar à deriva. Por uma e por outra razão, em termos políticos, a abstenção é um erro de palmatória.

A abstenção tanto na generalidade como na especialidade representa uma capitulação e um "nim" dificilmente explicável. A oposição responsável e construtiva não significa pactuar por omissão com um cenário de empobrecimento do país baseado em preconceitos ideológicos e interesses particulares. Seria mais legítimo e mais fácil dizer não ao OE, propondo alternativas e condicionando uma alteração do voto em função da sua adopção. Evidentemente, o apoio parlamentar ao governo torna a negociação uma questão de boa vontade de PSD e PP. Mas o PS teria marcado uma posição e definido uma alternativa. O "nim", visto do lado dos que mais sofrem com este OE, não serve para nada. Nem sequer para sonhar com um futuro diferente. 

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Reedições

Confirma-se que a relação de poder na Europa continua dominada pela dupla de coveiros Merkel/Sarkozy. O futuro do Euro e da UE não está nas mãos dos gregos, como alguns optimistas chegaram a vislumbrar. O nosso futuro está nas mãos dos eleitores franceses e alemães que devem decidir se partilham a visão dos seus líderes de que a fada da confiança nos vai salvar a todos da catástrofe. Eventualmente, o futuro passará por uma reedição do Plano Marshall, venha o dinheiro de onde vier. A questão é saber se, antes de reeditarmos a solução implementada em 1948, reeditamos o problema de 1933.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A desumanização do debate

Um dos sinais da crise que vivemos é que se fala muito na Grécia, mas pouco nos gregos. É um sinal que ultrapassa os problemas financeiros e económicos, para indicar um problema político e social. E, se quisermos, também um problema ético. A escolha de uma terminologia abstracta, mesmo que irreflectida, traduz uma desumanização do debate e das questões. Logo, também uma desumanização das soluções. Só assim se compreende que pessoas de bem estejam dispostas a impor ou aceitar a miséria económica e social de milhões de famílias. Algures neste percurso,  a Europa perdeu de vista a relevância dos seus cidadãos. Mas, no final, a política e a economia não são nada se não estiverem ao serviço do interesse das pessoas. Um modelo económico e um conjunto de opções políticas que apenas têm empobrecimento para oferecer, não têm realmente nada para oferecer.